INTRODUÇÃO
A Clonagem humana, por ser um fenômeno recente, que ao mesmo tempo
fascina e amedronta o mundo contemporâneo,
necessita de uma redobrada prudência na sua avaliação ética. Como nos
lembra o Beato João Paulo II, na Carta Encíclica Evangelium Vitae, número 53, “só Deus é Senhor da vida, desde o
príncipio até o fim: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o
direito de destruir diretamente o ser humano”. Clonar pode significar a
tentativa de padronizar, anular as diferenças entre os seres das mesmas
espécies e até de espécies diferentes, numa grave ameaça à biodiversidade[1].
Neste
ambito as
novas perspetivas terapêuticas abertas pelas ciências biomédicas sugerem, atualmente,
enormes interrogações no que concerne aos seus métodos de trabalho. Em vista
disso é necessário encorajar uma pesquisa biomédica que respeite a dignidade de
cada ser humano e da procriação. Aliás, estas perspetivas terapêuticas tocam
muito com as questões antropológicas daí que a dignidade da pessoa “deve ser
colocada no centro da reflexão ética sobre a investigação biomédica”[2].
Neste presente trabalho
buscaremos, de forma sintética, abordar, num primeiro momento, O que é Clonagem
(Perspectiva histórica e tipos de clonagem). Num segundo momento, Causas que
buscam justificar a Clonagem (Numa
perspectiva dos direitos do homem e da liberdade de investigação). Num terceiro
momento, Problemas éticos ligados a Clonagem humana. E, num quarto e último, a
posição da Tradição e do Magistério da Igreja acerda da Clonagem humana.
1 O QUE É
CLONAGEM
Etimologicamente o termo clonagem, vem do grego
Klon, que significa “broto vegetal, um ramo, um rebento ou mesmo enxerto.
Portanto, clonagem, é um processo natural ou artificial onde são produzidos
organismos geneticamente idênticos”[3].
Por outra, é um tipo de reprodução assexuada que não envolve troca de gametas
entre indivíduos. “Em Biologia, um clone é uma cópia geneticamente exacta, que
pode ser cópia do organismo, de célula ou do de molécula”[4].
A clonagem como um método científico artificial de reprodução utiliza células
somáticas (aquelas que formam órgãos, pele e ossos) no lugar do óvulo e do
espermatozóides. Vale lembrar também que, na natureza, os seres vivos se
reproduzem através de células sexuais e não por células somáticas. As exceções
deste tipo de reprodução são os vírus, as bacterias e diversos seres
unicelulares.
1.1. Perspectiva
Histórica[5]
Há já bastante tempo que os
progressos do saber e os respectivos avanços da técnica no âmbito da Biologia
molecular, genética e fecundação artificial tornaram possível a experimentação
e a realização de clonagens no campo vegetal e animal.
No reino animal, por
exemplo, desde os anos trinta que se efetuam experiências de produção de seres
idênticos, obtidos por cisão gemelar artificial modalidade esta que se pode
impropriamente definir clonagem. A prática da cisão gemelar no campo zootécnico
tem-se difundido nos estábulos especialmente reservados à experimentação, como
incentivo à multiplicação de certos exemplares seleccionados.
Em 1993, Jerry Hall e
Robert Stilmann, da “George Washington University”, divulgaram dados relativos
às experiências, por eles executadas, de cisão gemelar de embriões humanos de
2,4 e 8 embrioblastos. Tais experiências foram realizadas sem o prévio consenso
da Comissão Ética competente, e os dados publicados para, segundo os seus
autores, provocar o debate ético. Mas a notícia, publicada na revista “Nature”
de 27 de Fevereiro de 1997, do nascimento da ovelha “Doly” por obra dos
cientistas escoceses, Jan Vilmut e K.H.S. Campbell, com os seus colaboradores
do “Roslin Institute” de Edimburgo, abalou excepcionalmente a opinião pública,
suscitando tomadas de posição de Comissões e Autoridades nacionais e
internacionais: isto porque se tratou de um fato novo e considerado inquietante.
A novidade do fato deve-se
a duas razões. A primeira é que se tratou, não duma cisão gemelar, mas duma
novidade radical definida clonagem, isto é, uma reprodução assexual e agâmica
destinada a produzir seres biologicamente iguais ao indivíduo adulto que
fornece o património genético nuclear. A segunda razão é que este género de
clonagem verdadeira e propriamente dita era, até então, considerado impossível.
Julgava-se que o ADN (ácido desoxirribonucléico) das células somáticas dos
animais superiores, tendo sofrido o processo conformativo da diferenciação, já
não pudessem recuperar toda a potencialidade original e, consequentemente, a
capacidade de guiar o desenvolvimento dum novo indivíduo.
Superada tal suposta
impossibilidade, parecia que estava já aberto o caminho para a clonagem humana,
entendida como replicação dum ou mais indivíduos somaticamente idênticos ao
doador. O fato suscitou, justamente, ansiedade e alarme. Mas, depois duma
primeira fase de unânime oposição, levantaram-se algumas vozes querendo chamar
a atenção para a necessidade de garantir a liberdade da investigação e de não
exorcizar o progresso, e chegando mesmo a fazer a previsão duma futura
aceitação da clonagem por parte da Igreja Católica. Por isso, transcorrido já
algum tempo e numa fase mais serena, é útil fazer um cuidadoso exame do facto
que foi percebido como um fenómeno inquietante.
Existem vários tipos de clonagem, mas os mais conhecidos são: a clonagem natural, a clonagem induzida, a clonagem reprodutiva e clonagem a terapêutica. Em seguida vamos abordar apenas as duas primeiras mencionadas (as duas outras serão trabalhadas do capítulo 2).
I.1.1. Clonagem Natural[6]
É aquela que todos os seres são originados por reprodução assexuada e que não é preciso intervenção de células sexuais como, por exemplo, bactérias, seres unicelulares, diferentes tipos de plantas, entre outros.
I.1.2. A Clonagem induzida[7]
É
usada na engenharia genética e, como tal, é desencadeada pelo homem, sendo este
o indutor e o responsável por esta clonagem. A clonagem induzida em animais tem
origem por um processo assexuado de divisão em que é retirado o núcleo do óvulo
e insere-se este núcleo na célula adulta que se quer clonar. Desta forma,
inicia-se a divisão celular induzida por um choque eléctrico que dá início ao
desenvolvimento do embrião. A clonagem induzida em plantas baseia-se nos
seguintes processos: mergulhia da planta no solo para que nasça parte dela;
estacaria para que a planta cresça com apoio; enxertia em que se coloca um
tecido “fita-cola” ou qualquer outro material que rodeia parte da planta de
modo a que se formem mais partes da planta; há, ainda a considerar, a alporquia
em que se rodeia um saco com terra num dos ramos da planta para que lá nasça
parte dela para plantar.
2
CAUSAS
QUE BUSCAM JUSTIFICAR A CLONAGEM
Alguns
que pretendem legitimar a clonagem associam-a ao adjetivo “terapêutico”, dos
quais podemos destacar:
a)
Clonagem humana como técnica reprodutiva[8]: Considera-se de 9 a 15 por cento dos casais são
inférteis. Isso significa que, só nos Estados Unidos, há mais de dois milhões
de casais que querem conceber e não conseguem. Muitos desses casais
enfrentariam qualquer obstáculo para conseguir uma gravidez. Biotecnologia
Ciência & Desenvolvimento - Encarte Especial 117. Ao invés de usar
espermatozóides, ovócitos ou embriões de doadores anônimos, alguns casais
inférteis poderiam optar por clonar um dos parceiros;
b)
Clonagem humana para produzir tecidos para
auto-transplante[9]: Células-tronco embrionárias têm a capacidade de se
diferenciar em qualquer tipo celular e podem ser produzidas a partir de
blastocistos humanos (embriões em um estágio muito inicial de desenvolvimento).
Isso significa que as pessoas poderiam fornecer suas próprias células e, ao
usá-las para substituir os núcleos de seus próprios ovócitos ou ovócitos de
doadores, criar embriões clonados e obter células-tronco em cultura. De
qualquer maneira, essas células poderiam, então, ser induzidas a se
diferenciarem em cultura, permitindo o implante de células e tecidos
individualmente desenhados sem os problemas atuais de rejeição, que afetam o
transplante;
c)
O
rejuvenescimento[10]: O Dr.
Richard Seed um dos principais propulsores da clonagem humana, sugere que
um dia, poderá vir a ser possível inverter o processo do envelhecimento devido
à aprendizagem que nos é fornecida através do processo de clonagem;
d)
A tecnologia
humana da clonagem podia ser usada para inverter os ataques cardíacos[11]: Os
cientistas afirmam que conseguirão tratar vítimas de ataques cardíacos através
da clonagem das suas células saudáveis do coração, e injectando-as nas áreas do
coração que foram danificadas. As doenças cardiovasculares são a maior causa de
morte em grande parte dos países industrializados;
e)
A cirurgia
plástica reconstrutiva e estética[12]: Devido à
clonagem humana e à sua tecnologia, os problemas, que, por vezes, ocorrem
depois de algumas cirurgias de implantes mamários ou de outros procedimentos
estéticos deixam de existir. Com a nova tecnologia, em vez de usar materiais
estranhos ao corpo, os médicos serão capazes de manufaturar o osso, a gordura,
ou a cartilagem que combina os tecidos dos pacientes exatamente. Qualquer um
poderá ter a sua aparência modificada para sua satisfação, sem riscos de
doença. As vítimas dos acidentes terríveis que deformam o rosto (por exemplo),
devem assim conseguir voltar a ter as suas características, sendo reparadas e
de maneira mais segura. Os membros para amputados também poderão vir a ser
regenerados;
f)
Genes
defeituosos[13]: Cada
pessoa média carrega 8 genes defeituosos dentro deles. Estes genes
defeituosos permitem que as pessoas fiquem doentes quando permaneceriam de
outra maneira, saudáveis. Com a clonagem e a sua tecnologia pode ser possível
assegurar-se de que não soframos mais por causa dos nossos genes defeituosos.
2.1 Numa perspectiva dos direitos do homem e da liberdade
de investigação[14]
No plano dos direitos do homem, uma eventual clonagem humana
representaria uma violação dos dois princípios fundamentais sobre os quais se
baseiam todos os direitos do homem: o princípio da paridade entre os seres
humanos e o princípio da não-discriminação.Contrariamente a quanto à primeira vista possa parecer, o princípio da paridade entre os seres humanos fica subvertido por esta possível forma de predomínio do homem sobre o homem, e a discriminação é feita através de todo o perfil selectivo-eugenético inscrito na lógica da clonagem. A Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de Março de 1997, declara expressamente a violação destes dois princípios e apela fortemente para a proibição da clonagem humana e para o valor da dignidade da pessoa humana. As razões que fundamentam o carácter desumano da clonagem, na eventualidade de ser aplicada ao homem, não se devem identificar com o fato de, quando comparada com as formas aprovadas pela lei como a FIVET e outras, aparecer como uma forma excessiva de procriação artificial.
A solicitação mais urgente, neste momento, é a de recompor a harmonia
das exigências da investigação científica com os valores humanos inalienáveis.
O cientista não pode considerar como mortificante a recusa moral da clonagem
humana; antes, pelo contrário, tal proibição elimina a degeneração demiúrgica
da investigação, restabelecendo-a na sua dignidade. E a dignidade da
investigação científica está no fato de ela permanecer como um dos recursos
mais ricos em beneficio da humanidade. Por outro lado, a própria investigação no setor da clonagem encontra um
espaço disponível no reino vegetal e animal, no caso de representar uma
necessidade ou utilidade séria para o homem ou para os outros seres vivos,
salvaguardadas sempre as regras de tutela do próprio animal e a obrigação de
respeitar a biodiversidade específica.
A investigação
cientifica posta ao serviço do homem, como quando se empenha a procurar o
remédio para as doenças, o alivio do sofrimento, a solução para os problemas
originados pela carência alimentar e o melhor uso dos recursos da terra, tai
investigação representa uma esperança para a humanidade, confiada ao génio e ao
trabalho dos cientistas.
Para fazer com que a ciência biomédica mantenha e reforce a sua ligação
com o verdadeiro bem do homem e da sociedade, é necessário, como recorda o
Santo Padre na Encíclica Evangelium vitae, cultivar um olhar contemplativo sobre o próprio
homem e sobre o mundo, numa visão da realidade como criação e num contexto de
solidariedade entre a ciência, o bem da pessoa e da sociedade.
A clonagem humana insere-se
no projecto do eugenismo e, portanto, está sujeita a todas as observações
éticas e jurídicas que o condenaram amplamente. Como escreve Hans Jonas, a
clonagem humana é, no método, a mais despótica e ao mesmo tempo, na finalidade,
a mais escravizadora forma de manipulação genética; o seu objectivo não é uma
modificação arbitrária da substância hereditária, mas precisamente a sua fixação, igualmente
arbitrária, em contraste com a estratégia predominante da natureza
É uma manipulação radical
da relacionação e complementaridade constitutiva, que está na origem da
procriação humana, tanto no seu aspecto biológico como na sua dimensão
propriamente pessoal. De facto, a clonagem humana tenderia a tornar a
bissexualidade um mero resíduo funcional, ligado ao facto de ser preciso
utilizar um óvulo, privado do seu núcleo,
para dar lugar ao embrião-clone, e de se exigir, por enquanto, um
útero feminino para levar a cabo o seu desenvolvimento. Põem-se, deste modo, em
acção todas as técnicas que foram experimentadas na zootécnica, reduzindo o
significado específico da reprodução humana.
É nesta perspectiva que se
enquadra a lógica da produção industrial: deverse-á explorar e favorecer a
pesquisa de mercado, aperfeiçoar a experimentação, produzir modelos sempre
novos.
Verifica-se uma radical
instrumentalização da mulher, que fica limitada a algumas das suas funções
puramente biológicas (empréstimo de óvulos e do útero), estando já em
perspectiva a investigação para tornar possível construir úteros artificiais, o
derradeiro passo para a fabricação em laboratório do ser humano.
No processo de clonagem,
ficam pervertidas as relações fundamentais da pessoa humana: a filiação, a
consanguinidade, o parentesco, a progenitura. Uma mulher pode ser irmã-gémea de
sua mãe, faltar-lhe o pai biológico e ser filha do seu avô. Com a FIVET
(fecundação in vitro e transferência do embrião), já se introduziu a confusão
no parentesco, mas, na clonagem, verifica-se a ruptura radical de tais
vínculos.
Nela, como em qualquer actividade artificial,
encena-se e imita-se aquilo que tem lugar na natureza, mas a preço de
menosprezar tudo o que, no homem, ultrapassa a sua componente biológica – e
esta reduzida àquelas modalidades reprodutivas que caracterizaram apenas os
organismos mais simples e menos evoluídos do ponto de vista biológico.
Cultiva-se a ideia segundo
a qual alguns homens podem ter um domínio total sobre a existência dos outros,
a ponto de programarem a sua identidade biológica — seleccionada em nome de
critérios arbitrários ou puramente instrumentais; ora aquela, mesmo não
esgotando a identidade pessoal do homem que se caracteriza pelo espírito, é sua
parte constitutiva. Esta concepção selectiva do homem provocará para além do
mais uma grave quebra cultural, inclusivamente fora da prática — numericamente
reduzida — da clonagem, porque fará aumentar a convicção de que o valor do
homem e da mulher não depende da sua identidade pessoal, mas apenas daquelas
qualidades biológicas que podem ser apreciadas e, por isso, seleccionadas.
A clonagem humana recebe um
juízo negativo ainda no que diz respeito à dignidade da pessoa clonada, que
virá ao mundo em virtude do seu ser « cópia » (embora apenas cópia biológica)
de outro indivíduo: esta prática gera as condições para um sofrimento radical
da pessoa clonada, cuja identidade psíquica corre o usco de ser comprometida
pela presença real, ou mesmo só virtual, do seu « outro ». E não vale a
hipótese de se recorrer à conjura do silêncio, porque, como observa Jonas,
seria impossível e igualmente imoral: visto que o ser clonado foi gerado para
se assemelhar a alguém que valia a pena clonar, sobre ele recairão expectativas
e atenções tão nefastas, que constituirão um verdadeiro e próprio atentado à
sua subjectividade pessoal.
E, ainda que o projecto da
clonagem humana fosse suspenso « antese da instalação no útero, procurando
assim subtrair-se pelo menos a algumas das consequências que até agora
indicámos, continua igualmente a ser injusto sob o ponto de vista moral.
Realmente, uma proibição da
clonagem humana que se limitasse ao facto de impedir o nascimento de uma
criança clonada, permitiria sempre a clonagem do embrião-feto, daria a
possibilidade de experimentação sobre embriões e fetos e exigiria a sua
supressão antes do nascimento, revelando um processo instrumental e cruel em
relação ao ser humano.
Tal experimentação é, em
qualquer circunstância, imoral pelo intuito arbitrário de reduzir o corpo
humano (decididamente considerado como uma máquina composta de diversas peças)
a puro instrumento de investigação. O corpo humano é elemento integrante da
dignidade e identidade pessoal de cada um, e é ilícito usar a mulher como
fornecedora de óvulos, para sobre eles actuar experiências de clonagem.
Imoral porque estamos, também no caso do ser
clonado, perante um « homem », embora no seu estádio embrionário.
Contra a clonagem humana,
há que referir ainda todas as razões morais que levaram seja à condenação da
fecundação in vitro enquanto tal,
seja à radical desaprovação da fecundação in
vitro destinada apenas à experimentação.
O projeto da clonagem
humana demonstra o desnorteamento terrível a que chega uma ciência sem valores,
e é sinal do profundo mal-estar da nossa civilização, que busca na ciência, na técnica
e na qualidade da vida os sucedâneos do sentido da vida e da salvação da
existência.
A proclamação da morte de Deus, na vã esperança de um «
superhomem », traz consigo um resultado evidente: a morte do homem. De facto,
não se pode esquecer que a negação da sua dimensão de criatura, longe de
exaltar a liberdade do homem, gera novas formas de escravidão, novas
discriminações, novos e profundos sofrimentos. A clonagem corre o risco de ser
a trágica paródia da omnipotência de Deus. O homem, a quem a criação foi
confiada por Deus, dotando-o de liberdade e inteligência, não tem como únicos
limites à sua acção os que são ditados pela impossibilidade prática: tais
limites deve ele saber pôr-se-los por si próprio no discernimento entre o bem e
o mal. Mais uma vez é pedido ao homem que escolha: cabe-lhe decidir se há-de
transformar a tecnologia num instrumento de libertação ou tornar-se ele mesmo
seu escravo, introduzi.ndo novas formas de violência e de sofrimento.
Há que sublinhar, uma vez
mais, a diferença que existe entre a concepção da vida como dom de amor e a
visão do ser humano considerado como um produto industrial.
Suspender o projecto da
clonagem humana é um compromisso moral que se deve saber traduzir em termos
culturais, sociais e legislativos. Com efeito, o progresso da investigação
científica não se identifica com o despotismo científico emergente, que hoje
parece tomar o lugar das antigas ideologias. Num regime democrático e
pluralista, a primeira garantia da liberdade de cada um concretiza-se no respeito
incondicional da dignidade do homem, em todas as fases da sua vida e
independentemente dos dotes intelectuais ou fisicos de que goza ou está
privado. Na clonagem humana, acaba por cair a condição necessária para toda e
qualquer convivência: a de tratar o homem sempre e em qualquer situação como
fim, como valor, e nunca como puro meio ou simples objecto.
3
A
CLONAGEM NA VISÃO DA TRADIÇÃO E DO MAGISTÉRIO DA IGREJA CATÓLICA
Sobre o tema da clonagem na Tradição da Igreja não
encontramos nada mencionado. Para o Magistério, “o uso das biotecnologias
suscita, de um lado, esperanças e, de outro lado, alarme e hostilidade do ponto
de vista moral, as suas consequências para a saúde do homem, o seu impacto
sobre o ambiente e sobre a economia, constituem o estudo aprofundado e de
vívido debate”[16].
Trata-se de questões controversas que envolvem cientistas e pesquisadores,
políticos e legisladores, economistas e ambientalistas, produtores e
consumidores.
Os cristãos não ficam de indiferentes a estes
problemas, cônscios da importância dos valores em jogo. A visão cristã da
criação, comporta um juízo positivo sobre a liceidade das intervenções do homem
na natureza, inclusive os outros seres vivos, e, ao mesmo tempo, uma forte
chamada de atenção ao senso de responsabilidade. De fato, “a natureza não é uma realidade sacra ou
divina, subtraída à acção humana. É, antes, um dom oferecido pelo criador à
comunidade humana, confiado à inteligência e a responsabilidade moral do homem”[17].
Por isso, ele não comete um ato ilícito quando,
respeitando a ordem, a beleza e a utilidade de cada ser vivente e da sua função
no ecossistema, intervém modificando-lhe algumas características e
propriedades. São deploráveis as intervenções do homem quando danifica os seres
viventes ou o ambiente natural, ao passo que, são louváveis quando se traduz no
seu melhoramento.
A liceidade do uso destas técnicas, não esgota toda
a possibilidade ética, “é necessário avaliar cuidadosamente a sua real
utilidade, bem como as possíveis consequências também em termos de riscos. No
caso das intervenções técnico cientificas de forte e ampla incidência sobre
organismos viventes, com a possibilidade de notáveis repercussões a longo
prazo, não é licito agir com ligeireza e irresponsabilidade”[18]. Devido ao grande impacto social, económico,
politico, no plano local, nacional e internacional: hão-de ser avaliadas de
acordo com as actividades e as relações humanas no âmbito socioeconómico e
político. A Igreja ensina que é necessário ter na devida conta sobretudo os
critérios de justiça e solidariedade, aos quais se devem ater antes de tudo os
indivíduos e os grupos que actuam na pesquisa e na comercialização no campo das
biotecnologias.
Portanto, a Igreja
apela que não se deve cair no erro de apenas de desejar difundir os benefícios
provenientes destas biotecnológicas, com intuito resolver os problemas urgentes
da pobreza, de subdesenvolvimento ou então, da cura medicinal. “Dai que o
Magistério, chama atenção a todos, começando pelos órgãos internacionais,
cientistas, os empresários e responsáveis públicos, políticos, legisladores,
administradores, os jornalistas, cada um à seu modo, tome decisões sobre as
biotecnologias, que o produto vindo deles devem ter em conta não o legitimo
lucro, mas também o bem comum”[19]. “O ser humano deve ser
respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse
mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais
e antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida”[20].
A origem da vida humana “(…) tem o seu contexto autêntico no matrimónio e na
família, onde é gerada através de um acto que exprime o amor recíproco entre o
homem e a mulher”[21].
O respeito de tal dignidade é
devido a cada ser humano, “porque este traz impressos em si,
de maneira indelével, a própria dignidade e o próprio valor”.[22]
O homem é um fim em si e não um meio: “a única criatura na terra que Deus quis
por si mesma”.[23] A vida humana “desde a sua concepção deve ser
salvaguardada com máximo cuidado”[24].
Após
termos feito este percuso podemos concluir que o motivo da rejeição da clonagem
está na sua negação da dignidade da pessoa a ela sujeita e também na negação da
dignidade da procriação humana. Como nos lembra o Beato João Paulo II que é necessário ter um “olhar de
quem observa a vida em toda a sua profundidade, reconhecendo nela as dimensões
de generosidade, beleza, apelo à liberdade e à responsabilidade. É o olhar de
quem não pretende apoderar-se da realidade, mas a acolhe como um dom,
descobrindo em todas as coisas o reflexo do Criador e em cada pessoa a sua
imagem viva” (Evangelium
vitae, 83). Assim a Donum
vitae resume sua postura ética frente ao fenômeno em questão: “As
tentativas ou hipóteses destinadas a obter um ser humano sem conexão alguma com
a sexualidade, mediante ´fissão gemelar´, clonagem ou partenogênese, devem ser
consideradas contrárias à moral por se oporem à dignidade da procriação humana,
assim como, da união conjugal”.
BIBLIOGRAFIA
C. T. Jorge. Bioética Breve, Edições Paulus, São Paulo, 2002.
Compêndio Igreja Católica
CNBB, Evangelização e
missão profética da Igreja: novos desafios, Doc. 80, Paulinas
Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes .
Congregação para Doutrina da Fé, Instrução Dignitas Personae, (8.09.2008).
Congregação para Doutrina da Fé, Instrução Donum Vitae (22.02.1987).
D.J Sérgio. Biotecnologia Ciência
& Desenvolvimento. Paulinas
– Centro Universitário S. Camilo, 2006
MOSER Antônio, Biotecnologia
e Bioética: para onde vamos?, Vozes, 2004.
MOSER Antônio – SOARES
André M.M.Soares, Bioética: do consenso ao bom senso, Vozes, 2006.
SPINSANTI Sandro, Ética
biomédica, E. Paulinas, 1990.
[1] Cfr. CNBB, Evangelização e
missão profética da Igreja: novos desafios, Doc. 80.
[2]Congregação para doutrina da Fé,
Instrução Dignitas Personae, nº 1.
[3] C. T. Jorge. Bioética Breve, p. 53.
[5] Cfr. CORREA V. D Juan e Mons. SGRECCIA
Elio, Pontifícia Academia Pro Vita Reflexões
sobre clonagem, nº1.
[7] SPINSANTI Sandro, Ética biomédica, p. 40.
[8] D.J Sérgio. Op.
Cit, p. 140.
[9]
Cfr.Ibidem, p.
144.
[11] Cfr. Ibidem, p. 53.
[13] Cfr. Ibidem, p. 87.
[14] Cfr. CORREA V. D Juan e Mons. SGRECCIA Elio, Pontifícia Academia Pro Vita Reflexões sobre clonagem, nº 2.
[15] Cfr. Ibidem, 3
[16] Compêndio Igreja Católica, nº
472.
[17] Ibidem.
[18] Ibidem, nº473.
[19]
Ibidem, nº 478.
[20]Congregação para Doutrina da Fé,
Instrução Dignitas Personae, 4. .
[21]Ibidem, 1.
[22] Congregação para Doutrina da Fé,,
Instrução Donum Vitae, 9.
[24] Ibidem, 51.
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