quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A CLONAGEM


INTRODUÇÃO

A Clonagem humana, por ser um fenômeno recente, que ao mesmo tempo fascina e amedronta o mundo contemporâneo,  necessita de uma redobrada prudência na sua avaliação ética. Como nos lembra o Beato João Paulo II, na Carta Encíclica Evangelium Vitae, número 53, “só Deus é Senhor da vida, desde o príncipio até o fim: ninguém, em circunstância alguma, pode reivindicar o direito de destruir diretamente o ser humano”. Clonar pode significar a tentativa de padronizar, anular as diferenças entre os seres das mesmas espécies e até de espécies diferentes, numa grave ameaça à biodiversidade[1].

Neste ambito as novas perspetivas terapêuticas abertas pelas ciências biomédicas sugerem, atualmente, enormes interrogações no que concerne aos seus métodos de trabalho. Em vista disso é necessário encorajar uma pesquisa biomédica que respeite a dignidade de cada ser humano e da procriação. Aliás, estas perspetivas terapêuticas tocam muito com as questões antropológicas daí que a dignidade da pessoa “deve ser colocada no centro da reflexão ética sobre a investigação biomédica”[2].

Neste presente trabalho buscaremos, de forma sintética, abordar, num primeiro momento, O que é Clonagem (Perspectiva histórica e tipos de clonagem). Num segundo momento, Causas que buscam justificar a Clonagem (Numa perspectiva dos direitos do homem e da liberdade de investigação). Num terceiro momento, Problemas éticos ligados a Clonagem humana. E, num quarto e último, a posição da Tradição e do Magistério da Igreja acerda da Clonagem humana.


1 O QUE É CLONAGEM

Etimologicamente o termo clonagem, vem do grego Klon, que significa “broto vegetal, um ramo, um rebento ou mesmo enxerto. Portanto, clonagem, é um processo natural ou artificial onde são produzidos organismos geneticamente idênticos”[3]. Por outra, é um tipo de reprodução assexuada que não envolve troca de gametas entre indivíduos. “Em Biologia, um clone é uma cópia geneticamente exacta, que pode ser cópia do organismo, de célula ou do de molécula”[4]. A clonagem como um método científico artificial de reprodução utiliza células somáticas (aquelas que formam órgãos, pele e ossos) no lugar do óvulo e do espermatozóides. Vale lembrar também que, na natureza, os seres vivos se reproduzem através de células sexuais e não por células somáticas. As exceções deste tipo de reprodução são os vírus, as bacterias e diversos seres unicelulares.

1.1.  Perspectiva Histórica[5]
Há já bastante tempo que os progressos do saber e os respectivos avanços da técnica no âmbito da Biologia molecular, genética e fecundação artificial tornaram possível a experimentação e a realização de clonagens no campo vegetal e animal.

No reino animal, por exemplo, desde os anos trinta que se efetuam experiências de produção de seres idênticos, obtidos por cisão gemelar artificial modalidade esta que se pode impropriamente definir clonagem. A prática da cisão gemelar no campo zootécnico tem-se difundido nos estábulos especialmente reservados à experimentação, como incentivo à multiplicação de certos exemplares seleccionados.

Em 1993, Jerry Hall e Robert Stilmann, da “George Washington University”, divulgaram dados relativos às experiências, por eles executadas, de cisão gemelar de embriões humanos de 2,4 e 8 embrioblastos. Tais experiências foram realizadas sem o prévio consenso da Comissão Ética competente, e os dados publicados para, segundo os seus autores, provocar o debate ético. Mas a notícia, publicada na revista “Nature” de 27 de Fevereiro de 1997, do nascimento da ovelha “Doly” por obra dos cientistas escoceses, Jan Vilmut e K.H.S. Campbell, com os seus colaboradores do “Roslin Institute” de Edimburgo, abalou excepcionalmente a opinião pública, suscitando tomadas de posição de Comissões e Autoridades nacionais e internacionais: isto porque se tratou de um fato novo e considerado inquietante.

A novidade do fato deve-se a duas razões. A primeira é que se tratou, não duma cisão gemelar, mas duma novidade radical definida clonagem, isto é, uma reprodução assexual e agâmica destinada a produzir seres biologicamente iguais ao indivíduo adulto que fornece o património genético nuclear. A segunda razão é que este género de clonagem verdadeira e propriamente dita era, até então, considerado impossível. Julgava-se que o ADN (ácido desoxirribonucléico) das células somáticas dos animais superiores, tendo sofrido o processo conformativo da diferenciação, já não pudessem recuperar toda a potencialidade original e, consequentemente, a capacidade de guiar o desenvolvimento dum novo indivíduo.

Superada tal suposta impossibilidade, parecia que estava já aberto o caminho para a clonagem humana, entendida como replicação dum ou mais indivíduos somaticamente idênticos ao doador. O fato suscitou, justamente, ansiedade e alarme. Mas, depois duma primeira fase de unânime oposição, levantaram-se algumas vozes querendo chamar a atenção para a necessidade de garantir a liberdade da investigação e de não exorcizar o progresso, e chegando mesmo a fazer a previsão duma futura aceitação da clonagem por parte da Igreja Católica. Por isso, transcorrido já algum tempo e numa fase mais serena, é útil fazer um cuidadoso exame do facto que foi percebido como um fenómeno inquietante.
 
1.2. Tipos de clonage
Existem vários tipos de clonagem, mas os mais conhecidos são: a clonagem natural, a clonagem induzida, a clonagem reprodutiva e clonagem a terapêutica. Em seguida vamos abordar apenas as duas primeiras mencionadas (as duas outras serão trabalhadas do capítulo 2).

I.1.1. Clonagem Natural[6]  
É aquela que todos os seres são originados por reprodução assexuada e que não é preciso intervenção de células sexuais como, por exemplo, bactérias, seres unicelulares, diferentes tipos de plantas, entre outros.

I.1.2. A Clonagem induzida[7]
É usada na engenharia genética e, como tal, é desencadeada pelo homem, sendo este o indutor e o responsável por esta clonagem. A clonagem induzida em animais tem origem por um processo assexuado de divisão em que é retirado o núcleo do óvulo e insere-se este núcleo na célula adulta que se quer clonar. Desta forma, inicia-se a divisão celular induzida por um choque eléctrico que dá início ao desenvolvimento do embrião. A clonagem induzida em plantas baseia-se nos seguintes processos: mergulhia da planta no solo para que nasça parte dela; estacaria para que a planta cresça com apoio; enxertia em que se coloca um tecido “fita-cola” ou qualquer outro material que rodeia parte da planta de modo a que se formem mais partes da planta; há, ainda a considerar, a alporquia em que se rodeia um saco com terra num dos ramos da planta para que lá nasça parte dela para plantar.
 

2        CAUSAS QUE BUSCAM JUSTIFICAR A CLONAGEM

Alguns que pretendem legitimar a clonagem associam-a ao adjetivo “terapêutico”, dos quais podemos destacar:

a)      Clonagem humana como técnica reprodutiva[8]: Considera-se de 9 a 15 por cento dos casais são inférteis. Isso significa que, só nos Estados Unidos, há mais de dois milhões de casais que querem conceber e não conseguem. Muitos desses casais enfrentariam qualquer obstáculo para conseguir uma gravidez. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento - Encarte Especial 117. Ao invés de usar espermatozóides, ovócitos ou embriões de doadores anônimos, alguns casais inférteis poderiam optar por clonar um dos parceiros;

b)      Clonagem humana para produzir tecidos para auto-transplante[9]: Células-tronco embrionárias têm a capacidade de se diferenciar em qualquer tipo celular e podem ser produzidas a partir de blastocistos humanos (embriões em um estágio muito inicial de desenvolvimento). Isso significa que as pessoas poderiam fornecer suas próprias células e, ao usá-las para substituir os núcleos de seus próprios ovócitos ou ovócitos de doadores, criar embriões clonados e obter células-tronco em cultura. De qualquer maneira, essas células poderiam, então, ser induzidas a se diferenciarem em cultura, permitindo o implante de células e tecidos individualmente desenhados sem os problemas atuais de rejeição, que afetam o transplante;

c)      O rejuvenescimento[10]: O Dr. Richard Seed um dos principais propulsores da clonagem humana, sugere que um dia, poderá vir a ser possível inverter o processo do envelhecimento devido à aprendizagem que nos é fornecida através do processo de clonagem;

d)     A tecnologia humana da clonagem podia ser usada para inverter os ataques cardíacos[11]: Os cientistas afirmam que conseguirão tratar vítimas de ataques cardíacos através da clonagem das suas células saudáveis do coração, e injectando-as nas áreas do coração que foram danificadas. As doenças cardiovasculares são a maior causa de morte em grande parte dos países industrializados;

e)      A cirurgia plástica reconstrutiva e estética[12]: Devido à clonagem humana e à sua tecnologia, os problemas, que, por vezes, ocorrem depois de algumas cirurgias de implantes mamários ou de outros procedimentos estéticos deixam de existir. Com a nova tecnologia, em vez de usar materiais estranhos ao corpo, os médicos serão capazes de manufaturar o osso, a gordura, ou a cartilagem que combina os tecidos dos pacientes exatamente. Qualquer um poderá ter a sua aparência modificada para sua satisfação, sem riscos de doença. As vítimas dos acidentes terríveis que deformam o rosto (por exemplo), devem assim conseguir voltar a ter as suas características, sendo reparadas e de maneira mais segura. Os membros para amputados também poderão vir a ser regenerados;

f)       Genes defeituosos[13]: Cada pessoa média carrega 8 genes defeituosos dentro deles. Estes genes defeituosos permitem que as pessoas fiquem doentes quando permaneceriam de outra maneira, saudáveis. Com a clonagem e a sua tecnologia pode ser possível assegurar-se de que não soframos mais por causa dos nossos genes defeituosos.

 

2.1  Numa perspectiva dos direitos do homem e da liberdade de investigação[14]
No plano dos direitos do homem, uma eventual clonagem humana representaria uma violação dos dois princípios fundamentais sobre os quais se baseiam todos os direitos do homem: o princípio da paridade entre os seres humanos e o princípio da não-discriminação.
Contrariamente a quanto à primeira vista possa parecer, o princípio da paridade entre os seres humanos fica subvertido por esta possível forma de predomínio do homem sobre o homem, e a discriminação é feita através de todo o perfil selectivo-eugenético inscrito na lógica da clonagem. A Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de Março de 1997, declara expressamente a violação destes dois princípios e apela fortemente para a proibição da clonagem humana e para o valor da dignidade da pessoa humana. As razões que fundamentam o carácter desumano da clonagem, na eventualidade de ser aplicada ao homem, não se devem identificar com o fato de, quando comparada com as formas aprovadas pela lei como a FIVET e outras, aparecer como uma forma excessiva de procriação artificial.

A solicitação mais urgente, neste momento, é a de recompor a harmonia das exigências da investigação científica com os valores humanos inalienáveis. O cientista não pode considerar como mortificante a recusa moral da clonagem humana; antes, pelo contrário, tal proibição elimina a degeneração demiúrgica da investigação, restabelecendo-a na sua dignidade. E a dignidade da investigação científica está no fato de ela permanecer como um dos recursos mais ricos em beneficio da humanidade. Por outro lado, a própria investigação no setor da clonagem encontra um espaço disponível no reino vegetal e animal, no caso de representar uma necessidade ou utilidade séria para o homem ou para os outros seres vivos, salvaguardadas sempre as regras de tutela do próprio animal e a obrigação de respeitar a biodiversidade específica.

A investigação cientifica posta ao serviço do homem, como quando se empenha a procurar o remédio para as doenças, o alivio do sofrimento, a solução para os problemas originados pela carência alimentar e o melhor uso dos recursos da terra, tai investigação representa uma esperança para a humanidade, confiada ao génio e ao trabalho dos cientistas.

Para fazer com que a ciência biomédica mantenha e reforce a sua ligação com o verdadeiro bem do homem e da sociedade, é necessário, como recorda o Santo Padre na Encíclica Evangelium vitae, cultivar um olhar contemplativo sobre o próprio homem e sobre o mundo, numa visão da realidade como criação e num contexto de solidariedade entre a ciência, o bem da pessoa e da sociedade.

3 PROBLEMAS ÉTICOS LIGADOS COM A CLONAGEM HUMANA[15]

A clonagem humana insere-se no projecto do eugenismo e, portanto, está sujeita a todas as observações éticas e jurídicas que o condenaram amplamente. Como escreve Hans Jonas, a clonagem humana é, no método, a mais despótica e ao mesmo tempo, na finalidade, a mais escravizadora forma de manipulação genética; o seu objectivo não é uma modificação arbitrária da substância hereditária, mas precisamente a sua fixação, igualmente arbitrária, em contraste com a estratégia predominante da natureza

É uma manipulação radical da relacionação e complementaridade constitutiva, que está na origem da procriação humana, tanto no seu aspecto biológico como na sua dimensão propriamente pessoal. De facto, a clonagem humana tenderia a tornar a bissexualidade um mero resíduo funcional, ligado ao facto de ser preciso utilizar um óvulo, privado do seu núcleo, para dar lugar ao embrião-clone, e de se exigir, por enquanto, um útero feminino para levar a cabo o seu desenvolvimento. Põem-se, deste modo, em acção todas as técnicas que foram experimentadas na zootécnica, reduzindo o significado específico da reprodução humana.

É nesta perspectiva que se enquadra a lógica da produção industrial: deverse-á explorar e favorecer a pesquisa de mercado, aperfeiçoar a experimentação, produzir modelos sempre novos.

Verifica-se uma radical instrumentalização da mulher, que fica limitada a algumas das suas funções puramente biológicas (empréstimo de óvulos e do útero), estando já em perspectiva a investigação para tornar possível construir úteros artificiais, o derradeiro passo para a fabricação em laboratório do ser humano.

No processo de clonagem, ficam pervertidas as relações fundamentais da pessoa humana: a filiação, a consanguinidade, o parentesco, a progenitura. Uma mulher pode ser irmã-gémea de sua mãe, faltar-lhe o pai biológico e ser filha do seu avô. Com a FIVET (fecundação  in vitro e transferência do embrião), já se introduziu a confusão no parentesco, mas, na clonagem, verifica-se a ruptura radical de tais vínculos.

Nela, como em qualquer actividade artificial, encena-se e imita-se aquilo que tem lugar na natureza, mas a preço de menosprezar tudo o que, no homem, ultrapassa a sua componente biológica – e esta reduzida àquelas modalidades reprodutivas que caracterizaram apenas os organismos mais simples e menos evoluídos do ponto de vista biológico.

Cultiva-se a ideia segundo a qual alguns homens podem ter um domínio total sobre a existência dos outros, a ponto de programarem a sua identidade biológica — seleccionada em nome de critérios arbitrários ou puramente instrumentais; ora aquela, mesmo não esgotando a identidade pessoal do homem que se caracteriza pelo espírito, é sua parte constitutiva. Esta concepção selectiva do homem provocará para além do mais uma grave quebra cultural, inclusivamente fora da prática — numericamente reduzida — da clonagem, porque fará aumentar a convicção de que o valor do homem e da mulher não depende da sua identidade pessoal, mas apenas daquelas qualidades biológicas que podem ser apreciadas e, por isso, seleccionadas.

A clonagem humana recebe um juízo negativo ainda no que diz respeito à dignidade da pessoa clonada, que virá ao mundo em virtude do seu ser « cópia » (embora apenas cópia biológica) de outro indivíduo: esta prática gera as condições para um sofrimento radical da pessoa clonada, cuja identidade psíquica corre o usco de ser comprometida pela presença real, ou mesmo só virtual, do seu « outro ». E não vale a hipótese de se recorrer à conjura do silêncio, porque, como observa Jonas, seria impossível e igualmente imoral: visto que o ser clonado foi gerado para se assemelhar a alguém que valia a pena clonar, sobre ele recairão expectativas e atenções tão nefastas, que constituirão um verdadeiro e próprio atentado à sua subjectividade pessoal.

E, ainda que o projecto da clonagem humana fosse suspenso « antese da instalação no útero, procurando assim subtrair-se pelo menos a algumas das consequências que até agora indicámos, continua igualmente a ser injusto sob o ponto de vista moral.

Realmente, uma proibição da clonagem humana que se limitasse ao facto de impedir o nascimento de uma criança clonada, permitiria sempre a clonagem do embrião-feto, daria a possibilidade de experimentação sobre embriões e fetos e exigiria a sua supressão antes do nascimento, revelando um processo instrumental e cruel em relação ao ser humano.

Tal experimentação é, em qualquer circunstância, imoral pelo intuito arbitrário de reduzir o corpo humano (decididamente considerado como uma máquina composta de diversas peças) a puro instrumento de investigação. O corpo humano é elemento integrante da dignidade e identidade pessoal de cada um, e é ilícito usar a mulher como fornecedora de óvulos, para sobre eles actuar experiências de clonagem.

Imoral porque estamos, também no caso do ser clonado, perante um « homem », embora no seu estádio embrionário.

Contra a clonagem humana, há que referir ainda todas as razões morais que levaram seja à condenação da fecundação in vitro enquanto tal, seja à radical desaprovação da fecundação in vitro destinada apenas à experimentação.

O projeto da clonagem humana demonstra o desnorteamento terrível a que chega uma ciência sem valores, e é sinal do profundo mal-estar da nossa civilização, que busca na ciência, na técnica e na qualidade da vida os sucedâneos do sentido da vida e da salvação da existência.

A proclamação da  morte de Deus, na vã esperança de um « superhomem », traz consigo um resultado evidente: a morte do homem. De facto, não se pode esquecer que a negação da sua dimensão de criatura, longe de exaltar a liberdade do homem, gera novas formas de escravidão, novas discriminações, novos e profundos sofrimentos. A clonagem corre o risco de ser a trágica paródia da omnipotência de Deus. O homem, a quem a criação foi confiada por Deus, dotando-o de liberdade e inteligência, não tem como únicos limites à sua acção os que são ditados pela impossibilidade prática: tais limites deve ele saber pôr-se-los por si próprio no discernimento entre o bem e o mal. Mais uma vez é pedido ao homem que escolha: cabe-lhe decidir se há-de transformar a tecnologia num instrumento de libertação ou tornar-se ele mesmo seu escravo, introduzi.ndo novas formas de violência e de sofrimento.

Há que sublinhar, uma vez mais, a diferença que existe entre a concepção da vida como dom de amor e a visão do ser humano considerado como um produto industrial.

Suspender o projecto da clonagem humana é um compromisso moral que se deve saber traduzir em termos culturais, sociais e legislativos. Com efeito, o progresso da investigação científica não se identifica com o despotismo científico emergente, que hoje parece tomar o lugar das antigas ideologias. Num regime democrático e pluralista, a primeira garantia da liberdade de cada um concretiza-se no respeito incondicional da dignidade do homem, em todas as fases da sua vida e independentemente dos dotes intelectuais ou fisicos de que goza ou está privado. Na clonagem humana, acaba por cair a condição necessária para toda e qualquer convivência: a de tratar o homem sempre e em qualquer situação como fim, como valor, e nunca como puro meio ou simples objecto.


3        A CLONAGEM NA VISÃO DA TRADIÇÃO E DO MAGISTÉRIO DA IGREJA CATÓLICA

Sobre o tema da clonagem na Tradição da Igreja não encontramos nada mencionado. Para o Magistério, “o uso das biotecnologias suscita, de um lado, esperanças e, de outro lado, alarme e hostilidade do ponto de vista moral, as suas consequências para a saúde do homem, o seu impacto sobre o ambiente e sobre a economia, constituem o estudo aprofundado e de vívido debate”[16]. Trata-se de questões controversas que envolvem cientistas e pesquisadores, políticos e legisladores, economistas e ambientalistas, produtores e consumidores.

Os cristãos não ficam de indiferentes a estes problemas, cônscios da importância dos valores em jogo. A visão cristã da criação, comporta um juízo positivo sobre a liceidade das intervenções do homem na natureza, inclusive os outros seres vivos, e, ao mesmo tempo, uma forte chamada de atenção ao senso de responsabilidade. De fato, “a natureza não é uma realidade sacra ou divina, subtraída à acção humana. É, antes, um dom oferecido pelo criador à comunidade humana, confiado à inteligência e a responsabilidade moral do homem”[17]. Por isso, ele não comete um ato ilícito quando, respeitando a ordem, a beleza e a utilidade de cada ser vivente e da sua função no ecossistema, intervém modificando-lhe algumas características e propriedades. São deploráveis as intervenções do homem quando danifica os seres viventes ou o ambiente natural, ao passo que, são louváveis quando se traduz no seu melhoramento.

A liceidade do uso destas técnicas, não esgota toda a possibilidade ética, “é necessário avaliar cuidadosamente a sua real utilidade, bem como as possíveis consequências também em termos de riscos. No caso das intervenções técnico cientificas de forte e ampla incidência sobre organismos viventes, com a possibilidade de notáveis repercussões a longo prazo, não é licito agir com ligeireza e irresponsabilidade”[18]. Devido ao grande impacto social, económico, politico, no plano local, nacional e internacional: hão-de ser avaliadas de acordo com as actividades e as relações humanas no âmbito socioeconómico e político. A Igreja ensina que é necessário ter na devida conta sobretudo os critérios de justiça e solidariedade, aos quais se devem ater antes de tudo os indivíduos e os grupos que actuam na pesquisa e na comercialização no campo das biotecnologias.

Portanto, a Igreja apela que não se deve cair no erro de apenas de desejar difundir os benefícios provenientes destas biotecnológicas, com intuito resolver os problemas urgentes da pobreza, de subdesenvolvimento ou então, da cura medicinal. “Dai que o Magistério, chama atenção a todos, começando pelos órgãos internacionais, cientistas, os empresários e responsáveis públicos, políticos, legisladores, administradores, os jornalistas, cada um à seu modo, tome decisões sobre as biotecnologias, que o produto vindo deles devem ter em conta não o legitimo lucro, mas também o bem comum”[19]. “O ser humano deve ser respeitado e tratado como pessoa desde a sua concepção e, por isso, desde esse mesmo momento devem ser-lhe reconhecidos os direitos da pessoa, entre os quais e antes de tudo, o direito inviolável de cada ser humano inocente à vida”[20]. A origem da vida humana “(…) tem o seu contexto autêntico no matrimónio e na família, onde é gerada através de um acto que exprime o amor recíproco entre o homem e a mulher”[21]. O respeito de tal dignidade é devido a cada ser humano, “porque este traz impressos em si, de maneira indelével, a própria dignidade e o próprio valor”.[22] O homem é um fim em si e não um meio: “a única criatura na terra que Deus quis por si mesma”.[23] A vida humana “desde a sua concepção deve ser salvaguardada com máximo cuidado”[24].
 CONCLUSÂO
Após termos feito este percuso podemos concluir que o motivo da rejeição da clonagem está na sua negação da dignidade da pessoa a ela sujeita e também na negação da dignidade da procriação humana. Como nos lembra o Beato João Paulo II que é necessário ter um “olhar de quem observa a vida em toda a sua profundidade, reconhecendo nela as dimensões de generosidade, beleza, apelo à liberdade e à responsabilidade. É o olhar de quem não pretende apoderar-se da realidade, mas a acolhe como um dom, descobrindo em todas as coisas o reflexo do Criador e em cada pessoa a sua imagem viva” (Evangelium vitae, 83). Assim a Donum vitae resume sua postura ética frente ao fenômeno em questão: “As tentativas ou hipóteses destinadas a obter um ser humano sem conexão alguma com a sexualidade, mediante ´fissão gemelar´, clonagem ou partenogênese, devem ser consideradas contrárias à moral por se oporem à dignidade da procriação humana, assim como, da união conjugal”.


BIBLIOGRAFIA

C. T. Jorge. Bioética Breve, Edições Paulus, São Paulo, 2002.

Compêndio Igreja Católica

CNBB, Evangelização e missão profética da Igreja: novos desafios, Doc. 80, Paulinas

Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes .

Congregação para Doutrina da Fé, Instrução Dignitas Personae, (8.09.2008).

Congregação para Doutrina da Fé, Instrução Donum Vitae (22.02.1987).

D.J Sérgio. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento. Paulinas – Centro Universitário S. Camilo, 2006

MOSER Antônio, Biotecnologia e Bioética: para onde vamos?, Vozes, 2004.

MOSER Antônio – SOARES André M.M.Soares, Bioética: do consenso ao bom senso, Vozes, 2006.

SPINSANTI Sandro, Ética biomédica, E. Paulinas, 1990.

 

 



[1] Cfr. CNBB, Evangelização e missão profética da Igreja: novos desafios, Doc. 80.
[2]Congregação para doutrina da Fé, Instrução Dignitas Personae, nº 1.
[3] C. T. Jorge. Bioética Breve, p. 53.
[4] D.J Sérgio. Biotecnologia Ciência & Desenvolvimento, p. 131.
[5] Cfr. CORREA V. D Juan e Mons. SGRECCIA Elio, Pontifícia Academia Pro Vita Reflexões sobre clonagem, nº1.
[6]
[7] SPINSANTI Sandro, Ética biomédica, p. 40.
[8] D.J Sérgio. Op. Cit, p. 140.
[9] Cfr.Ibidem, p. 144.
[10] Cfr. MOSER Antônio, Biotecnologia e Bioética: para onde vamos?, p.50.
[11] Cfr. Ibidem, p. 53.
[12] MOSER Antônio – SOARES André M.M.Soares, Bioética: do consenso ao bom senso, p. 81.
[13] Cfr. Ibidem, p. 87.
[14] Cfr. CORREA V. D Juan e Mons. SGRECCIA Elio, Pontifícia Academia Pro Vita Reflexões sobre clonagem, nº 2.
[15] Cfr. Ibidem, 3
[16] Compêndio Igreja Católica, nº 472.
[17] Ibidem.
[18] Ibidem, nº473.
[19] Ibidem, nº 478.
[20]Congregação para Doutrina da Fé, Instrução Dignitas Personae, 4. .
[21]Ibidem, 1.
[22] Congregação para Doutrina da Fé,, Instrução Donum Vitae, 9.
[23] Concílio Ecumênico Vaticano II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes 24.
[24] Ibidem, 51.

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